domingo, 18 de dezembro de 2011
O preço da impunidade: corrupção cresce, mas a Justiça é lenta
Cada vez mais curtas, as tangas vermelhas e azuis incomodavam o prefeito. Ele tentou proibir as “cunhãs” da Ópera do Boi. Fracassou. E resolveu insistir na guerrilha por outros meios: “Promiscuidade!”, “Devassidão!” — protestou em cartazes espalhados pelas esquinas ao final de cada junho, quando turistas e nativos fazem coro aos levantadores de toadas no Bumbódromo de Parintins, na ilha fluvial de Tupinambarana, sobre o Rio Amazonas.
Empreiteiro de profissão, Carlos Alberto Barros da Silva, o prefeito “Carlinhos da Carbrás”, desaparecia nos dias de festa, deixando saudações ao “Senhor dos Exércitos” como único provedor do erário municipal. E só prestaria contas a “Ele” — anunciava. Acabou apeado da prefeitura, por impeachment, quando faltou merenda nas escolas e descobriu-se que o caixa municipal estava zerado. Uma investigação do Tribunal de Contas revelou: “Carlinhos” havia transferido todo o dinheiro da merenda dos alunos para contas privadas. Isso aconteceu em 1998.
Na segunda-feira passada (12), depois de 13 anos, a promotoria do Amazonas resolveu processá-lo e tentar recuperar R$ 4,3 milhões subtraídos dos cofres de Parintins — dinheiro suficiente para alimentar 16 mil alunos durante dois anos. Os promotores sabem que chances são mínimas. Aos 67 anos, o ex-prefeito não corre risco de prisão. Pode envelhecer confortavelmente batalhando nos tribunais, se usar o arsenal de recursos judiciais disponível para a defesa.
Existem 15 mil casos similares em andamento no Judiciário (7.607 nos tribunais federais e superiores e outros oito mil nas cortes estaduais). São ações cíveis para reparação ao Estado por conduta desonesta na função pública, com enriquecimento ilícito. Processos por “improbidade administrativa”, no jargão jurídico.
São poucos os julgamentos desse tipo de crime: no ano passado foram 1,1 mil casos com sentenças definitivas. Os juízes ficaram mais tempo analisando recursos e apelações — 28 mil nos demais processos por improbidade, informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em dados fornecidos pelos tribunais até agosto.
Muito mais difíceis de concluir são os casos de corrupção e lavagem de dinheiro, em geral indissociáveis quando a fraude é contra o Estado. Raros são os processos encerrados em menos de uma década, com sentença definitiva. É o oposto do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, onde a sentença de um caso de fraude contra o Estado e o sistema financeiro pode sair em menos de um ano. Aconteceu com o ex-banqueiro Bernard Madoff. Aos 71 anos, ele foi condenado a um século e meio de prisão por lavar dinheiro e falsear balanços numa pirâmide financeira de US$ 63 bilhões, na qual tinha sócios no mundo todo, incluindo investidores cariocas (no fundo Fairfield Greenwich).
No ano passado os tribunais brasileiros produziram apenas 416 sentenças definitivas em crimes de corrupção e 547 em casos de lavagem de dinheiro — cerca de 10% da média anual da Justiça americana.
As estatísticas judiciais confirmam o senso comum sobre a impunidade no país, captada em pesquisas de opinião como as da Transparência Internacional. Da última, o Brasil emergiu mais parecido com Ruanda, nos Grandes Lagos africanos, e Vanatu, na Melanésia, do que com os vizinhos Chile e Uruguai.
(O Globo)
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