domingo, 4 de dezembro de 2011

Projeto de Lei - Rigor à Lei Seca gera polêmica

Um dos problemas da Lei Seca é a possibilidade de recursos, o que torna o processo lento, segundo o Detran-CE


O novo rigor que deve ser aplicado à Lei Seca traz consigo pontos polêmicos e questionados por especialistas e pela sociedade. Agora, dirigir sob efeito de álcool ou outra substância psicoativa no sangue, independentemente da quantidade, poderá virar crime. O projeto já passou pelo Senado e está na Câmara Federal para ser votado.

Os questionamentos são muitos. O primeiro deles é que a criminalização do motorista pego com alcoolemia acontecerá antes mesmo que ele chegue a provocar um acidente. Além disso, a prova da embriaguez dos motoristas que se recusarem a soprar o bafômetro poderá ser feita apenas por testemunhas, imagens ou vídeos.

O consumo de bebida alcoólica mais direção é uma combinação perigosa que tem aumentado assustadoramente o índice de acidentes de trânsito. Já é problema de saúde pública considerado uma epidemia sem solução. No Brasil, 40% dos acidentes estão relacionados ao consumo do álcool. Apesar de a Lei Seca, criada em 2009, ter reduzido, apenas nos dois primeiros anos, os índices de acidentes, hoje os resultados não são animadores.


Números

No Ceará, em três anos da legislação, foram multados cerca de 19 mil motoristas por estarem dirigindo alcoolizados. Desse total, cerca de 500 foram detidos. Esses 500 responderam ao processo administrativo, ao fim do qual tiveram suspenso por 12 meses seu direito de dirigir; e estão respondendo a processo criminal.

Dos mais de 19 mil multados, mais de 10 mil já receberam comunicado do Detran, sobre o fim do processo administrativo: suspensão de 12 meses do direito de dirigir, além do pagamento da multa de R$ 957,50. No entanto, neste ano, os números voltaram a crescer. Entre 2010 e 2011, a redução de acidentes no Estado foi de apenas 2,49%, passando de 17.530 para 17.094 até o mês de agosto. Em Fortaleza, foram 10.377 e 2.232 no Interior, em 2011.

O problema do álcool associado à direção envolve outras questões que devem ser levadas em consideração, como destaca a professora doutora do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, campus Sobral, Gislene Macêdo. "Não vejo rigor à venda de bebidas alcoólicas e nem o controle das propagandas que estimulam o consumo". Por outro lado, ainda existe a dimensão cultural. "Vivemos numa sociedade que utiliza o álcool como lazer e como mecanismo para encarar a realidade. O que está acontecendo com a nossa forma de viver? Por que precisamos estar entorpecidos para enfrentarmos a realidade? Que realidade é essa?", indaga.

Quando associada ao trânsito, a bebida potencializa os acidentes fazendo-os mais traumáticos. A professora acredita que apenas a legislação não é capaz de coibir comportamentos que dependem de decisão individual. Para ela, a medida de restrição deveria também ser aplicada às propagandas e à comercialização.

Outra questão que deve ser discutida, conforme Gislene, é que faltam ofertas de transporte de qualidade para que as pessoas deixem seus carros em casa quando souberem que vão beber. "Não contamos com dispositivos públicos necessários". O ponto grave nisso tudo, segundo a professora, é que as estruturas governamentais não enfrentam o real problema do álcool que existe no Brasil. "Temos de ter uma provocação de um outra ordem. Ações voltadas para a saúde, por exemplo", avalia.

Para o promotor de Justiça Francisco Marques Lima, o rigor aplicado à lei é uma forma de punir a sociedade. Ele discorda do novo projeto por considerar que o problema não se resolve com penas altas. "Os governos não querem investir, como deveriam, em políticas públicas", critica. Segundo o promotor, a nova Lei Seca vai atingir a pessoa comum e abarrotar os fóruns de processos. Francisco Marques classifica de absurdo o motorista ser penalizado antes mesmo de provocar um acidente. "Isso não vai adiantar. É apenas uma medida paliativa como resultado de um poder público mal gerenciado e que não vai surtir efeito", antecipa.

O promotor pontua que a utilização das evidências da embriaguez é um absurdo, porque é forçar provas. Para ele, as multas são a melhor forma de punir e não a detenção.

Avanço legislativo

De acordo com o superintendente do Detran-CE, João Pupo, o novo rigor à Lei Seca é um avanço legislativo importante. Para ele, o aumento da pena é bem-vindo, porém, a discussão mais importante não está sendo travada, que é o problema prático do processo de crime de trânsito que oferece uma série de possibilidades de recursos.

"Isso prejudica a lei. O mais relevante é aproveitar o projeto que está na Câmara para discutir o processo administrativo e torná-lo mais moderno e simplificado". Para ele, a suspensão da carteira, por exemplo, tinha de ser automática. João Pupo vê como grande problema o fato de as pessoas acharem que a habilitação é um direito de todos. "E não é, mas, sim, uma permissão que prevê requisitos que devem ser obedecidos".

Sobre o chamado dolo eventual, que é a penalização do condutor antes de ele provocar um acidente, o superintendente do Detran explica que é uma tendência mundial. "Quem bebe e dirige tem chance razoável de causar um acidente".

Para fiscalizar, caso o projeto seja aprovado, o Detran-Ce informa que vai manter as blitze com bafômetro e lançar mão do bafômetro passivo que dispensa o uso de pipeta, uma forma de apreender o componente mais facilmente. O Departamento de Trânsito dispõe hoje de 80 bafômetros. "Já temos uma boa estrutura de fiscalização".

A Autarquia Municipal de Trânsito, Serviço Público e Cidadania (AMC) explica que vai atuar em conjunto com o Detran na aplicação das notificações. Para tanto, serão licitados cinco bafômetros. Segundo o presidente da AMC, Fernando Bezerra, a lei federal precisa ser aplicada com mais rigor dado o número muito grande de acidentes com motociclistas por causa do uso de álcool. O presidente diz que as blitze já estão sendo intensificadas antes mesmo de sair qualquer novidade.


Acidentes de trânsito

40% dos acidentes de trânsito no Brasil estão relacionados ao consumo do álcool. A Lei Seca, criada em 2009, reduziu os índices nos dois primeiros anos, mas, hoje, não são animadores.

Legislação
Novo projeto

O projeto da Lei Seca, do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), estabelece pena de seis a 12 anos de prisão aos condutores que dirigirem embriagados, além de multas e da proibição de dirigir, se o acidente resultar em lesão corporal. No caso de morte, o infrator será condenado à detenção pelo prazo de 8 a 16 anos. E, no caso de lesões leves, o condutor pode pegar de um a quatro anos de detenção. A medida, que altera o Código de Trânsito brasileiro, é enorme. As penas aumentam para alcoolizados sem habilitação ou os flagrados perto de escolas, hospitais e lugares com grande concentração de pessoas.

Hoje, a lei diz que se a quantidade de álcool no sangue for de 0,11 até 0,33 mg por litro de ar expelido, o motorista não responde criminalmente, mas paga multa de R$ 957,70, perde o direito de dirigir por 12 meses e tem a carteira de habilitação retida. Quando a taxa de álcool é superior, o motorista responde por crime de trânsito.

LINA MOSCOSO
REPÓRTER
--------------------------------------------------------------------------------

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

bate papo

visitantes em todo mundo